As palavras me doíam e ainda doem:
“Abril é o mais
cruel de todos os meses/ mas ainda estamos em março”.
É verdade, ainda
estamos em março.
De madrugada as
sombras são todas iguais.
Lembrei-me então da
chegada do Outono, a estação do ano que me fascina.
Os dias mais
escuros, as árvores mais escuras, os rostos mais escuros, os gestos mais
escuros, as palavras mais densas, o tempo que se esvai aos poucos, sem que se
perceba.
Afinal, de novo o
Outono.
Toda as lembranças
de tantos Outonos, amores perdidos para sempre, imagens que nunca mais
recuperei, os dias derradeiros esquecidos num calendário, silêncios que ardem
por dentro do ser ausente.
Afinal, o Outono que
haverá de me abrigar, a mim e alguns poemas, alguma poesia que ainda resta,
algum olhar que ainda nascerá em um rosto, algum triste sorriso numa boca,
algum beijo que tocará a alma.
Gosto do Outono
porque os dias são sempre indefinidos, de sua certeza somente um pequeno cinza
percorrendo as coisas todas, com um lirismo que não se encontra mais.
O Outono e suas
palavras invisíveis, um pouco de frio, um pouco de chuva, um pouco do passado
que não existe mais mas faz parte de todas as histórias.
Guardo em mim que
tudo se inicia no Outono.
Todos os poemas
ainda possíveis.
Todo amor ainda
possível.
Todo encanto ainda
possível.
Todo o possível
ainda possível.
Onde estará meu
Outono distante?
Trago o Outono no
bolso, onde guardo algumas estrelas cadentes. As palavras que esqueci.
Os amores que não
existem mais.
O Outono começa
dentro de mim.
Mas está chovendo
dentro de mim.
Chove uma chuva de tanto tempo.
Uma chuva sempre ao
final da tarde, como a tarde ainda existisse.
Tentarei sair de mim
ao anoitecer, com meu guarda-chuva vermelho.
Com minha ausência
vermelha.
Com meu casaco de
silêncios."
Álvaro Alves de Faria
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