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terça-feira, 20 de março de 2012

Outono

"De madrugada pensei nos versos de T.S. Eliot, pensei muitas vezes, muitas vezes.
As palavras me doíam e ainda doem:

“Abril é o mais cruel de todos os meses/ mas ainda estamos em março”.

É verdade, ainda estamos em março.

De madrugada as sombras são todas iguais.

Lembrei-me então da chegada do Outono, a estação do ano que me fascina.

Os dias mais escuros, as árvores mais escuras, os rostos mais escuros, os gestos mais escuros, as palavras mais densas, o tempo que se esvai aos poucos, sem que se perceba.

Afinal, de novo o Outono.

Toda as lembranças de tantos Outonos, amores perdidos para sempre, imagens que nunca mais recuperei, os dias derradeiros esquecidos num calendário, silêncios que ardem por dentro do ser ausente.

Afinal, o Outono que haverá de me abrigar, a mim e alguns poemas, alguma poesia que ainda resta, algum olhar que ainda nascerá em um rosto, algum triste sorriso numa boca, algum beijo que tocará a alma.

Gosto do Outono porque os dias são sempre indefinidos, de sua certeza somente um pequeno cinza percorrendo as coisas todas, com um lirismo que não se encontra mais.

O Outono e suas palavras invisíveis, um pouco de frio, um pouco de chuva, um pouco do passado que não existe mais mas faz parte de todas as histórias.

Guardo em mim que tudo se inicia no Outono.

Todos os poemas ainda possíveis.

Todo amor ainda possível.

Todo encanto ainda possível.

Todo o possível ainda possível.

Onde estará meu Outono distante?

Trago o Outono no bolso, onde guardo algumas estrelas cadentes. As palavras que esqueci.

Os amores que não existem mais.

O Outono começa dentro de mim.

Mas está chovendo dentro de mim.

 Chove uma chuva de tanto tempo.

Uma chuva sempre ao final da tarde, como a tarde ainda existisse.

Tentarei sair de mim ao anoitecer, com meu guarda-chuva vermelho.

Com minha ausência vermelha.

Com meu casaco de silêncios."

Álvaro Alves de Faria

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